#27 - Falsos Problemas: Como parar de perder tempo com melhorias que ninguém pediu
Estratégias e ferramentas práticas para superar o perfeccionismo, priorizar corretamente e construir produtos SaaS que seus clientes realmente valorizam.
Bem-vindo à edição #27 da "Jornada SaaS"! 👋
Semana passada, me peguei em uma situação que tenho certeza que muitos desenvolvedores vão se identificar: passei quase três horas "melhorando" a interface de um novo SaaS que estou desenvolvendo. O que começou como um pequeno ajuste no espaçamento entre elementos rapidamente se transformou em uma revisão completa do layout.
Havia planejado dedicar o dia para implementar um recurso crucial para o MVP, mas quando olhei para minha lista de tarefas ao final da tarde, percebi que só tinha avançado em uma das prioridades que tinha escolhido para aquele dia.
E o pior? A interface já estava perfeitamente funcional. Os elementos que passei horas ajustando não representavam problemas reais para os usuários. Era apenas meu perfeccionismo técnico me levando por um caminho que, embora pareça produtivo no momento, na verdade me afastava dos objetivos reais do negócio.
Essa não foi a primeira vez — e, sendo sincero, provavelmente não será a última — que caí nessa armadilha. Como fundadores, especialmente os que vêm da área técnica, temos uma tendência quase magnética de nos perdermos em detalhes que, no todo do projeto, pouco importam para o sucesso do nosso negócio. É como se existisse um ímã nos puxando constantemente para a zona de conforto do código, dos ajustes técnicos, das melhorias infinitas…
Não me entenda mal, atenção aos detalhes é importante. É esse cuidado que muitas vezes diferencia produtos excepcionais de produtos medianos. Mas existe uma linha tênue entre aprimoramento valioso e perfeccionismo paralisante. O verdadeiro custo não está apenas nas horas gastas, mas nas oportunidades perdidas enquanto nos dedicamos a resolver "problemas" que existem apenas em nossas cabeças.
Hoje, vou compartilhar com você não apenas minha experiência com essa luta diária, mas também estratégias práticas que desenvolvi para identificar e combater esse comportamento. Vamos explorar como diferenciar melhorias genuínas de distrações perfeccionistas, e como manter o foco no que realmente impulsiona o crescimento do seu SaaS. Bora?
A Armadilha do Fundador Técnico
Se você é como eu, provavelmente já se pegou diversas vezes refatorando um código que já funcionava perfeitamente, ou reorganizando uma arquitetura que já atendia todas as necessidades atuais do seu produto. É aquele momento em que você está no meio de uma tarefa importante e, de repente, nota algo que "poderia estar melhor" — e duas horas depois, você está completamente imerso em uma reforma que ninguém pediu.
O perfeccionismo é traiçoeiro porque ele se disfarça de virtude profissional. Ele se apresenta como dedicação ao trabalho bem feito, como compromisso com a qualidade, como preocupação com a escalabilidade futura. Afinal, quem não quer ter um código limpo, uma arquitetura elegante, uma interface impecável?
O problema é que, especialmente nas fases iniciais de um SaaS, esse perfeccionismo frequentemente se torna o maior inimigo do progresso. É como construir uma casa e ficar obcecado com o acabamento do banheiro enquanto o telhado ainda não está pronto. O perfeccionismo técnico nos faz perder a perspectiva do que realmente importa no momento.
Ficamos tão focados em olhar para "baixo" — para os detalhes técnicos, para a base do produto, para as especificações da implementação — que nos esquecemos de olhar para "frente" — para onde queremos chegar, para os problemas reais que nossos clientes precisam resolver hoje, para as oportunidades de crescimento que estão passando despercebidas.
Alguns exemplos clássicos dessa otimização prematura que já vivi e observei em outros fundadores:
Gastar semanas construindo um sistema de permissões ultra-flexível quando você tem apenas um tipo de usuário, "porque um dia vamos precisar de diferentes níveis de acesso";
Criar uma arquitetura de microsserviços complexa para um produto que ainda não demanda isso, sob o pretexto de "preparar para escala" (isso me dá vontade de gritar com a cara no travesseiro);
Implementar cache em todos os níveis possíveis antes mesmo de ter usuários suficientes para justificar, "porque é melhor fazer certo desde o início";
Refatorar código que funciona perfeitamente só porque "não está elegante o suficiente" ou "não segue os padrões mais recentes".
Peguemos o Orbit Pages mais uma vez como exemplo. Como já contei em algumas edições anteriores (inclusive na última), ele começou como Orbit Learn, uma ferramenta de área de membros. Por não ter sido pensado originalmente como uma ferramenta de páginas — que naturalmente exige muito mais da infraestrutura — começamos a sentir na pele os problemas de escalabilidade assim que o produto ganhou tração. Servidor caindo, lentidão, coisas quebrando...
Quando recebemos investimento, nossa primeira reação foi exatamente a que você esperaria de um time técnico: vamos reconstruir tudo do zero, do "jeito certo". Microserviços, design system, testes unitários, testes end-to-end... A lista de requisitos técnicos parecia não ter fim. Contratamos um time, fizemos projetos detalhados, tudo do jeito que "tem que ser".
É uma história longa que merece uma edição só pra ela, então vou resumir:
O dinheiro do investimento acabou e a V2 nunca foi lançada. Mas sabe o que é mais irônico? No meio desse processo, fizemos algumas melhorias pontuais na V1 que, com 10% dos requintes técnicos da nossa "engenharia de foguete" da nova versão, conseguiu suportar toda a carga que estávamos nos preparando para lidar na V2. Essa versão "imperfeita" continua no ar até hoje, inclusive depois da empresa ter sido vendida. Isso prova que às vezes a solução mais simples é exatamente o que precisamos.
Como Identificar Falsos Problemas
A identificação de falsos problemas começa com uma pergunta simples: "Se eu não resolver isso agora, qual será o impacto real no meu negócio?" É surpreendente como essa pergunta simples pode cortar pela raiz muitas das nossas "urgências" autogeradas.
Aqui, podemos usar o Princípio de Pareto (ou regra 80/20). De forma resumida, o que esse princípio diz é que aproximadamente 80% dos efeitos vêm de 20% das causas. Ou seja, uma pequena parte das atividades produz a maior parte dos resultados.
Mas vamos além dessa interpretação básica. Quando aplicamos esse princípio de forma mais profunda e no contexto do SaaS, descobrimos padrões interessantes:
80% das reclamações vêm de 20% dos seus usuários
80% do uso do seu produto se concentra em 20% das funcionalidades
80% dos cancelamentos são causados por 20% dos problemas
A diferença entre uma melhoria necessária e perfeccionismo improdutivo está no impacto mensurável que ela traz para seu negócio. Uma melhoria necessária geralmente resolve um problema que está causando perdas reais, seja em receita, tempo ou reputação. Ela atende a uma demanda explícita e recorrente dos usuários, remove um obstáculo claro no caminho do crescimento e tem um retorno sobre investimento previsível e mensurável.
Já o perfeccionismo improdutivo se manifesta de formas mais sutis. São aquelas melhorias do tipo "seria legal ter", otimizações para cenários hipotéticos futuros, ou retrabalho em algo que já funciona adequadamente. São os ajustes que, sendo sincero, só você como desenvolvedor vai notar ou se importar.
Podemos nos fazer algumas perguntas para avaliar se um "problema" merece nossa atenção imediata. As perguntas parecem simples, mas é preciso respondê-las com total honestidade:
"Quantos usuários são realmente afetados por esse problema?" Note que a pergunta não é "quantos poderiam ser afetados", mas quantos estão ativamente sofrendo com isso hoje.
"Existe uma solução alternativa que já funciona?" Às vezes, um processo manual ou uma solução improvisada pode ser suficiente por um bom tempo.
"Se eu não resolver agora, qual é o pior cenário possível?" Seja realista — na maioria das vezes, o cenário catastrófico que imaginamos nunca se materializa.
"Essa melhoria está alinhada com os objetivos estratégicos do meu negócio?" É fácil se perder em melhorias fúteis que não contribuem para os objetivos maiores.
Ferramentas e Técnicas para Manter o Foco
Identificar falsos problemas é apenas o começo. O verdadeiro desafio é manter o foco nas prioridades reais quando dezenas de "problemas interessantes" estão competindo pela nossa atenção.
Um dos aprendizados mais valiosos que tive nesse sentido veio do Serge, meu sócio na Orbit. Em um momento particularmente caótico do projeto, quando tínhamos milhares de direções possíveis e eu estava completamente perdido sobre o que priorizar, ele me “reapresentou” um sistema simples, mas poderoso de priorização. Digo “reapresentou” porque eu já conhecia, mas é um sistema tão simples que eu não tinha dado o devido valor à primeira vista
O coração do método é uma matriz baseada em dois eixos: esforço necessário e valor gerado. Parece e é bem básico, mas a mágica está em como definimos "valor".
No contexto de um SaaS, valor precisa ser algo tangível e mensurável — pode ser impacto direto na receita, melhoria na retenção, redução significativa no tempo de suporte, etc. Acho que vendo o quadro fica fácil de entender:
O método divide todas as tarefas em quatro quadrantes. No primeiro, temos as tarefas de alto valor e baixo esforço — essas são prioridade máxima e merecem execução imediata. São aquelas melhorias pequenas mas impactantes, como corrigir um bug que está causando cancelamentos.
No segundo quadrante, ficam as tarefas de alto valor mas alto esforço. Essas precisam ser planejadas cuidadosamente e, sempre que possível, quebradas em partes menores. Um exemplo seria a implementação de um novo modelo de precificação — algo que pode trazer grande retorno, mas exige planejamento e atenção.
As tarefas de baixo valor e baixo esforço ficam no terceiro quadrante. São aquelas que fazemos se sobrar tempo, idealmente agrupando várias similares para otimizar o esforço. Por fim, no último quadrante, estão as tarefas de baixo valor e alto esforço — essas geralmente são adiadas indefinidamente, e com boas razões.
Para colocar isso em prática, mantenho uma abordagem simples e efetiva. Toda segunda-feira pela manhã, a primeira coisa que faço é planejar a semana de forma estratégica. Defino entre 5 e 10 objetivos macro que englobam todas as áreas da minha vida: desde entregas no meu trabalho na Eduzz e desenvolvimento dos meus SaaS, até compromissos familiares, atividade física, estudos e a produção desta newsletter.
O planejamento diário deriva naturalmente desses objetivos semanais. Uso o Todoist de uma forma bem direta, organizando as tarefas por semana e por dia. Cada manhã, reviso o progresso da semana e defino as prioridades do dia, garantindo que estejam alinhadas com os objetivos maiores estabelecidos na segunda-feira.
Para projetos mais complexos e de longo prazo, complemento esse sistema com um kanban no Trello, mas confesso que já faz um tempo que não faço isso.
O segredo está em manter a simplicidade. Não precisamos de sistemas complexos de gestão de tarefas — na verdade, isso frequentemente se torna apenas mais um falso problema para nos distrair. O objetivo é manter o foco no que realmente move nossos projetos e nossa vida para frente.
Essa prática de planejamento semanal e revisão diária tem se provado mais valiosa que qualquer metodologia complexa que eu já tenha tentado usar. No fim das contas, é a constância que faz a diferença entre progredir de verdade ou apenas ficar ocupado.
Estratégias Práticas para Ação
Vamos ser honestos: saber que precisamos focar no essencial é uma coisa, conseguir dizer "não" para melhorias não essenciais é outra completamente diferente. Principalmente quando somos apaixonados por tecnologia e desenvolvimento.
Uma estratégia que tem funcionado bem para mim é transformar o "não" em um "não agora". Isso tira o peso emocional da decisão e nos permite manter boas ideias registradas para o futuro, sem nos comprometermos com sua implementação imediata.
Algumas estratégias práticas que podem te ajudar a manter esse foco:
Estabeleça uma regra clara para novas funcionalidades: só entram no roadmap se houver uma demanda recorrente ou dados claros mostrando seu impacto na retenção;
Mantenha um banco de ideias organizado: toda sugestão válida merece ser registrada, mesmo que não seja implementada agora (já usei e recomendo o Frill para isso);
Defina critérios objetivos de priorização: impacto na retenção, número de usuários beneficiados, tempo de implementação… pense no que faz sentido para o seu negócio;
Se faça a pergunta: "Se não fizermos isso agora, qual é o pior que pode acontecer?"
O perfeccionismo técnico pode ser tanto uma bênção quanto uma maldição. A chave está em canalizá-lo de forma produtiva. Em vez de buscar a perfeição em todas as áreas, escolha uma ou duas funcionalidades core do seu produto onde a excelência técnica realmente fará diferença para o usuário final. Para todo o resto, "bom o suficiente" deve ser seu mantra.
O Poder do Foco Consciente
Ao longo desta edição, exploramos como distinguir problemas reais de distrações perfeccionistas, e como manter o foco no que verdadeiramente importa para o crescimento do seu SaaS.
O segredo não está em trabalhar mais, mas em trabalhar nas coisas certas. Como vimos em nossa edição sobre essencialismo, menos frequentemente é mais. Cada hora gasta em uma melhoria não essencial é uma hora que poderíamos estar investindo em algo que realmente move nosso negócio para frente.
Comece pequeno. Escolha uma das estratégias que discutimos hoje — seja a matriz de priorização ou o ritual de planejamento matinal — e experimente por uma semana. Observe como isso afeta sua produtividade e, mais importante, sua clareza mental.
O objetivo não é criar o produto perfeito, mas sim um produto que resolva problemas reais de forma eficaz. No fim do dia, seus usuários não se importam com a elegância do seu código ou a sofisticação da sua arquitetura. Eles se importam com o valor que seu produto agrega às suas vidas.
Se você ainda não leu nossa edição sobre essencialismo, vale a pena dar uma olhada. Lá aprofundamos ainda mais esse conceito de fazer menos, mas melhor, e como isso pode transformar não apenas seu produto, mas sua forma de trabalhar.
E você, como tem lidado com a tentação do perfeccionismo?
Não se esqueça: conhecimento é poder, mas conhecimento compartilhado é poder multiplicado. Se você achou esses insights valiosos, provavelmente conhece outros empreendedores e profissionais do mercado SaaS que também se beneficiariam deles. Que tal encaminhar esta newsletter para eles? Afinal, no ecossistema SaaS, quanto mais todos crescemos juntos, mais oportunidades surgem para todos nós.
“Semanário” de bordo
Essa semana foi bastante produtiva! Consegui fazer bons avanços no primeiro MVP que mencionei na edição passada — aquele que prometi construir ainda esse mês.
O projeto é voltado para o mercado de saúde/beleza e, apesar de ainda não entrar em detalhes (prefiro esperar ele estar no ar), estou realmente animado com esse SaaS. É interessante como ele une bem minhas experiências anteriores com tecnologia e marketing.
E confesso que tem sido revigorante trabalhar em algo fora do mercado de marketing digital, que já estava me saturando um pouco depois de anos completamente imerso nele.
Prometo compartilhar mais detalhes nas próximas edições, assim que tiver algo mais concreto para mostrar.
Indicações da Semana
📚 Livro: O Princípio 80/20 - Richard Koch [link aqui]
Na edição de hoje mencionamos o Princípio de Pareto e como ele pode nos ajudar a identificar o que realmente importa em nossos projetos. Se você quer se aprofundar nesse conceito, esse livro é uma excelente referência. O autor vai além da conhecida regra 80/20 e mostra como aplicá-la de forma prática em diferentes aspectos da vida e dos negócios. É uma leitura que traz uma perspectiva interessante sobre como fazer escolhas mais estratégicas e alcançar melhores resultados com menos esforço.
📺 Filme: A Garota no Trem - Prime Video [link aqui]
Recentemente assisti "A Garota no Trem" e gostei muito! O filme é um thriller psicológico que acompanha Rachel, uma mulher que cria histórias sobre um casal que observa diariamente pela janela do trem. Quando a mulher que ela observa desaparece misteriosamente, Rachel se vê envolvida na investigação, mas sua memória fragmentada e problemas com álcool tornam difícil distinguir realidade de imaginação.
Obrigado por ler até aqui!
Espero que esse conteúdo tenha mudado alguma prioridade pra você :)
Nos vemos na próxima edição da “Jornada SaaS”!
Abraço,
Ronaldo Scotti