#33 - Como Construir SaaS Lucrativos Sem Investimento
Como Pieter Levels construiu múltiplos SaaS lucrativos usando tecnologia "ultrapassada" e zero investimento externo.
Bem-vindo à edição #33 da "Jornada SaaS"! 👋
Se você acompanha o mundo SaaS um pouco de perto, provavelmente já ouviu falar de Pieter Levels. Para quem não conhece, ele é um desenvolvedor holandês que construiu um pequeno império de produtos digitais seguindo uma filosofia própria — completamente diferente do que vemos no Vale do Silício.
Criador do Nomad List (uma das maiores comunidades de nômades digitais do mundo), Photo AI (ferramenta de geração de fotos com inteligência artificial) e diversos outros produtos, Pieter é conhecido por sua abordagem minimalista. Ele constrói, opera e mantém todos os seus produtos praticamente sozinho, gerando milhões em receita anual.
Em entrevista recente a Lex Fridman, Pieter compartilhou sua trajetória e sua visão sobre construção de produtos digitais. Como parte da nossa série especial de fim de ano, onde exploramos histórias inspiradoras de outros empreendedores, vamos analisar essa conversa em detalhes.
Este artigo será dividido em duas partes: primeiro, vamos explorar os pontos principais da entrevista. Depois, compartilho minhas reflexões sobre como podemos aplicar esses aprendizados em nossa própria jornada empreendedora.
Bora descobrir como esse desenvolvedor consegue manter vários produtos de sucesso praticamente sozinho, e o que podemos aprender com sua abordagem?
Os Primeiros Passos
A jornada de Pieter Levels começou de maneira similar à de muitos desenvolvedores: criando sites e brincando com tecnologia. Durante a faculdade, ele mantinha um canal no YouTube focado em música eletrônica, o Panda Mix Show, que lhe garantia uma renda modesta de cerca de US$ 2.000 por mês através do AdSense.
O interessante é que, mesmo nessa fase inicial, já era possível ver traços do que viria a se tornar sua filosofia de negócios. Com o Panda Mix Show, ele criava todo o conteúdo e gerenciava a operação sozinho, aprendendo na prática sobre desenvolvimento web para construir o site do projeto.
Enquanto seus colegas de universidade seguiam o caminho tradicional após a faculdade — empregos corporativos, rotinas fixas e uma vida estruturada — Pieter sentia que algo não se encaixava. O momento chave veio aos 27 anos, idade que ele destaca como um ponto de virada significativo.
"Todos os meus amigos conseguiram empregos normais e paramos de nos encontrar. Na universidade você passa tempo junto, vai a festas. Mas quando as pessoas começam a trabalhar, só saem nos fins de semana porque precisam estar no escritório. E eu pensei: isso não é para mim. Quero fazer algo diferente", compartilhou na entrevista.
Foi nesse momento que tomou uma decisão que mudaria sua vida: deixar a Holanda. Com sua renda do YouTube como única fonte de recursos, embarcou para a Ásia. A decisão não foi fácil — os primeiros meses foram marcados por momentos de dúvida em quartos de hotel, olhando para o teto e questionando suas escolhas.
"Eu estava sozinho em quartos de hotel olhando para o teto pensando 'O que estou fazendo com minha vida?'. Enquanto isso, meus amigos na Holanda estavam indo bem, com uma vida normal. Eu estava ficando muito deprimido, me sentindo um excluído. Meu dinheiro estava diminuindo, eu não estava mais ganhando muito. Estava fazendo uns US$ 500 por mês."
A Metodologia Levels
Foi dessa experiência desafiadora que nasceu uma das características mais marcantes de Pieter: sua abordagem pragmática para construir produtos. Confrontado com recursos limitados e a necessidade de gerar resultados rapidamente, ele desenvolveu uma metodologia própria que desafia várias convenções do mercado.
O primeiro pilar dessa metodologia é o que ele chama de "ship fast" — entregar rápido (que convenhamos, é o que todo mundo tenta fazer). Enquanto muitas empresas gastam meses ou anos desenvolvendo um produto "perfeito", Pieter adota uma abordagem radical de velocidade: "Preciso ir rápido. Preciso construir as coisas rapidamente para ver se uma ideia funciona. Tenho uma ideia na mente, construo como uma mini startup e lanço muito rápido, em duas semanas."
Um exemplo prático dessa abordagem foi o lançamento do Photo AI (que vamos abordar com mais detalhes daqui a pouco). Quando começou a explorar a tecnologia de geração de imagens com IA, em vez de gastar meses desenvolvendo uma plataforma completa, ele criou uma página HTML simples com um link de pagamento do Stripe e um formulário do Typeform para upload de fotos.
"Nas primeiras 24 horas, tive cerca de mil clientes. O problema é que eu não tinha código para automatizar isso, então tive que fazer tudo manualmente. Peguei as primeiras centenas de clientes, literalmente treinei seus modelos e gerei as fotos com os prompts manualmente", revela. Essa limitação inicial o forçou a desenvolver rapidamente a automação necessária, transformando o experimento em um produto real.
Tecnicamente, sua abordagem é igualmente minimalista. Num mercado obcecado por frameworks modernos e tecnologias de ponta, ele mantém uma stack surpreendentemente simples: PHP, jQuery e SQLite. "Eu ainda uso jQuery. Sou provavelmente o único depois de 10 anos… mas funciona!", brinca.
Essa escolha não é por falta de conhecimento ou capacidade de aprender novas tecnologias. É uma decisão consciente baseada em pragmatismo. "Quando meus projetos começaram a decolar, eu não tinha tempo para aprender Node ou outros frameworks modernos. Coloquei na minha lista de tarefas 'Aprender Node' porque obviamente é uma linguagem muito melhor que PHP, mas nunca aprendi. Nunca tive tempo. As coisas estavam crescendo e eu estava lançando mais projetos."
Sua filosofia de trabalho solo também é um reflexo desse pragmatismo. Diferente do modelo tradicional de startups que buscam investimento e montam equipes, Pieter optou por manter o controle total de suas operações. "Minha filosofia é muito diferente da maioria das pessoas em startups. Elas constroem uma empresa, captam dinheiro, contratam pessoas e então constroem um produto. Eu não capto dinheiro, não uso investimento de venture capital, faço tudo sozinho. Sou o designer, sou o desenvolvedor, faço tudo."
Essa abordagem permite uma velocidade de execução e uma liberdade de decisão que seriam impossíveis em uma estrutura tradicional. "Estando sozinho no meu laptop, em um quarto de hotel, posso entregar muito rápido. Não preciso pedir para o jurídico avaliar, posso simplesmente fazer e publicar."
Do Fracasso ao Sucesso
O período na Ásia, inicialmente desafiador, acabou se tornando um catalisador para mudanças significativas na vida de Pieter. Foi durante esse momento de questionamento que seu pai ofereceu um conselho que mudaria sua trajetória: "Se você está deprimido, pegue uma pá, cave um buraco, faça alguma coisa. Você não pode ficar parado."
Esse conselho, aparentemente simples, carregava uma lição sobre como lidar com momentos difíceis: através da ação. "É uma maneira interessante de lidar com a depressão. Não é 'vamos conversar sobre isso', é mais 'vamos fazer algo'", reflete Pieter.
Seguindo essa filosofia de ação, ele iniciou o projeto "12 startups em 12 meses". A ideia era simples, mas ambiciosa: todo mês ele criaria e lançaria um novo produto com potencial de monetização. O primeiro foi o Play My Inbox, uma ferramenta que organizava links do YouTube enviados por email em uma galeria de música.
"O primeiro produto já conseguiu mídia especializada. Não fazia dinheiro, não tinha botão de pagamento, mas tinha pessoas usando. Acho que dezenas de milhares de pessoas usaram", conta Pieter. Este primeiro sucesso, mesmo sem retorno financeiro direto, ofereceu algo que vale muito: validação de mercado e aprendizado prático.
O formato do projeto o forçou a desenvolver uma disciplina rigorosa. "Eu tinha que ser muito pragmático sobre isso. Publiquei como um post no blog, coloquei no Hacker News e as pessoas acompanhavam. Me senti responsável porque tornei público."
O grande momento veio quando decidiu criar o Nomad List. Ironicamente, nasceu da própria solidão que sentia como nômade digital. "Eu construí esse site e parei de me sentir sozinho. Comecei a organizar encontros e fazer amigos."
A Evolução do Portfólio
Com o passar dos anos, o portfólio de Pieter evoluiu naturalmente seguindo as mudanças tecnológicas. O caso do Photo AI é particularmente interessante por demonstrar como ele manteve sua filosofia de desenvolvimento rápido mesmo trabalhando com tecnologias avançadas como inteligência artificial.
Tudo começou com experimentos usando Stable Diffusion para gerar imagens de casas. "Tentei ver no que a ferramenta era boa. Era ruim com pessoas, mas boa com casas. Então fiz um site que gerava arquitetura." O projeto ganhou tração rapidamente na internet.
A evolução para o Photo AI foi gradual e orientada pela experimentação constante. "Para diversão, coloquei fotos minhas e treinei um modelo comigo mesmo. Isso nunca funcionaria, obviamente, mas funcionou."
O interessante é como ele transformou essa descoberta em um produto viável mesmo antes de ter toda a infraestrutura pronta. "Comecei a receber mensagens no Telegram: 'Como posso fazer o mesmo? Minha namorada quer essas fotos.' Então percebi que obviamente era um negócio, mas não tinha tempo para codificar e fazer um aplicativo completo."
A solução? Uma abordagem minimalista extrema: "Fiz uma página HTML, registrei um domínio e usei um link de pagamento do Stripe. Era literalmente um link para o Stripe para pagar, sem código no backend. Tudo que você sabia era que tinha clientes que pagaram dinheiro."
As Automações
A automatização sempre foi central em sua abordagem, mas com uma peculiaridade interessante: ela evolui conforme a necessidade. Por exemplo, com o Photo AI, ele começou fazendo tudo manualmente. "Os primeiros cem clientes, eu literalmente pegava suas fotos, treinava os modelos e depois gerava as fotos com os prompts manualmente", revela.
Essa limitação inicial acabou se tornando um ponto de partida para a automatização. Seu sistema de monitoramento, por exemplo, cresceu organicamente. "Cada erro JavaScript, cada erro PHP é enviado para meu Telegram. Então, qualquer usuário, não importa quem seja, se encontrar um erro, o JavaScript envia o erro para o servidor e ele envia para meu Telegram."
O resultado é um sistema altamente eficiente que permite que ele mantenha diversos produtos funcionando simultaneamente com uma equipe mínima. "Antes ele me enviava as verificações de saúde positivas. 'Tudo funciona. Tudo funciona. Tudo funciona.' E eu pensava, 'isso é tão bom'. Mas então percebi que obviamente não precisava... Você precisa esconder os positivos e mostrar apenas os negativos."
As Lições da Jornada de Pieter
Ao analisar a trajetória de Pieter Levels, três elementos se destacam como pilares fundamentais de seu sucesso: a simplicidade técnica, a velocidade de execução e a automação inteligente.
Sua abordagem técnica minimalista pode parecer herética num mundo obcecado por tecnologias de ponta, mas carrega uma sabedoria profunda. Lembra quando falamos sobre o Método Degrau a Degrau? A ideia é similar: começar com o básico que funciona e evoluir conforme necessário. Pieter demonstra que uma stack tecnológica simples e bem dominada pode ser mais valiosa que uma arquitetura complexa que poucos conseguem manter.
Aliás, a escolha técnica de Pieter merece uma atenção especial. Sua stack costuma arrancar sorrisos (de deboche) de desenvolvedores: PHP, uma linguagem que carrega até hoje o estigma de seu passado mais permissivo e passível de “gambiarras"; jQuery, biblioteca JavaScript considerada "ultrapassada" há mais de uma década; e SQLite, um banco de dados que é literalmente um único arquivo.
Some a isso sua infraestrutura minimalista: um único servidor em um provedor barato, sem toda a parafernália de escalabilidade horizontal, containers, ou serviços em nuvem que costumamos ver em startups.
Para muitos, isso soa como uma lista do que não fazer em desenvolvimento de software. Mas aqui está a genialidade: essa simplicidade extrema permite que Pieter mantenha tudo funcionando sozinho, com custos baixíssimos e uma velocidade de desenvolvimento impressionante.
Obviamente, essa abordagem tem limites — você não construiria o próximo TikTok dessa forma. Mas para o que Pieter precisa (e para o que muitos de nós precisamos), funciona perfeitamente bem. A lição aqui é poderosa: a melhor tecnologia não é necessariamente a mais moderna ou robusta, mas sim aquela que te permite construir, manter e monetizar sua solução de forma eficiente.
A velocidade de execução de Pieter merece atenção especial. Um aspecto que facilita muito sua abordagem hoje é a grande audiência que construiu ao longo dos anos, compartilhando sua jornada publicamente. Com quase 600 mil seguidores no X (antigo Twitter), ele consegue validar ideias rapidamente — basta postar um link e, em questão de dias, já tem dados suficientes para decidir se vale a pena continuar investindo no projeto.
Mas seria um erro pensar que sua metodologia só funciona por causa dessa audiência. A lição mais valiosa aqui é sobre prototipagem rápida e validação eficiente. Como vimos na edição sobre validação de ideias com tráfego pago, existem diversas formas de conseguir feedback inicial mesmo sem uma grande base de seguidores: tráfego pago, grupos específicos no Facebook ou WhatsApp, ou até mesmo sua rede de contatos.
Para Quem Essa Abordagem Funciona?
Um ponto interessante sobre Pieter é como sua filosofia de negócios está intrinsecamente ligada a seu estilo de vida como nômade digital. Toda sua estrutura de trabalho foi construída para permitir que ele opere seus negócios de qualquer lugar do mundo, usando apenas um laptop.
Embora nem todos compartilhem esse desejo específico (eu mesmo, por exemplo, mesmo valorizando a liberdade de não precisar fazer nada por obrigação, não me vejo levando esse tipo de vida), sua abordagem oferece lições valiosas para diferentes perfis de empreendedores:
Desenvolvedores que querem empreender mas se sentem intimidados pela complexidade do mercado
Empreendedores solos que precisam maximizar sua produtividade
Fundadores que preferem manter controle total sobre seus produtos em vez de depender de investimento externo
Por outro lado, essa abordagem pode apresentar limitações para:
Produtos que exigem times grandes desde o início
Negócios em mercados altamente regulados onde a velocidade precisa ser sacrificada em nome da conformidade
O mais valioso na história de Pieter talvez seja a lembrança de que existem múltiplos caminhos para o sucesso no mundo SaaS. Enquanto o mercado grita sobre a necessidade de escalar rapidamente e captar investimentos, ele mostra que é possível construir um negócio lucrativo e sustentável seguindo uma abordagem mais independente e controlada.
Em um momento em que o mercado de tecnologia passa por transformações significativas, a metodologia de Pieter oferece uma alternativa interessante: crescimento sustentável, independência tecnológica e automação inteligente.
O segredo está em adaptar esses princípios à sua realidade e objetivos específicos. A velocidade de execução pode inspirar mesmo quem trabalha em ambientes mais estruturados. Sua abordagem com automação pode ser valiosa mesmo para times maiores. E sua filosofia de simplicidade técnica pode servir como contraponto útil em discussões sobre arquitetura de software.
Essa história do Pieter Levels nos traz uma mensagem poderosa para encerrar o ano: às vezes o caminho menos convencional, é exatamente o que precisamos seguir.
Não se esqueça: conhecimento é poder, mas conhecimento compartilhado é poder multiplicado. Se você achou esses insights valiosos, provavelmente conhece outros empreendedores e profissionais do mercado SaaS que também se beneficiariam deles. Que tal encaminhar esta newsletter para eles? Afinal, no ecossistema SaaS, quanto mais todos crescemos juntos, mais oportunidades surgem para todos nós.
“Semanário” de bordo
2024 foi um ano especial para mim. Comecei essa newsletter como um experimento, uma forma de compartilhar o que aprendi vendendo a Orbit e o que continuo aprendendo construindo novos produtos. A cada terça-feira, sem falhar uma semana sequer, sentei para escrever e compartilhar um pouco dessa jornada com vocês.
Essa constância mudou minha vida de várias formas. Me ajudou a organizar melhor meus pensamentos, a refletir mais profundamente sobre minhas decisões e, principalmente, me conectou com uma comunidade incrível de empreendedores e aspirantes a empreendedores como você.
Assim como Pieter encontrou seu caminho único no mundo das startups, cada um de nós está construindo sua própria história. Que 2025 seja o ano em que você encontre (ou continue seguindo) seu próprio caminho, tendo a coragem de fazer as coisas do seu jeito, mesmo quando isso significar nadar contra a corrente.
Que Deus abençoe você e sua família nesse ano novo que se aproxima. Que Ele nos dê sabedoria para tomar as decisões certas, força para persistir nos momentos difíceis, e humildade para reconhecer e aprender com nossos erros.
Nos vemos em 2025!
Indicações da Semana
📚 Livro: Make: The Indie Maker Blueprint - Pieter Levels [link aqui]
Depois de conhecer a história do Pieter hoje, vale a pena conferir seu livro "Make: The Indie Maker Blueprint". Nele, Pieter compartilha sua metodologia para construir startups lucrativas de forma independente, sem investimento externo. O livro é um guia prático que detalha como aplicar os conceitos que vimos em prática hoje: desde a validação rápida de ideias até a construção de produtos lucrativos seguindo a abordagem "indie".
📽️ Filme: Mufasa: O Rei Leão [nos cinemas]
Confesso que nunca assisti o filme original e geralmente evito musicais (sei que esse não é literalmente um musical, mas tem alguns elementos em comum com o gênero), mas decidi dar uma chance a "Mufasa: O Rei Leão" e me surpreendi. O filme acompanha a história de um filhote órfão que, ao conhecer um jovem leão chamado Taka, embarca em uma jornada que o transformaria no rei. A narrativa é envolvente e a história funciona bem mesmo para quem, como eu, não tem tanta familiaridade com o universo do Rei Leão.
Obrigado por ler até aqui!
Espero que esse conteúdo tenha simplificado as coisas pra você de alguma forma :)
Nos vemos no próximo ano da “Jornada SaaS”!
Abraço,
Ronaldo Scotti