#43 - O Dia em Que Joguei Meu Celular na Parede
Como o burnout quase destruiu meu SaaS — e como estou aprendendo a me reconstruir.
Bem-vindo à edição #43 da "Jornada SaaS"! 👋
Quando joguei meu celular contra a parede, percebi que havia perdido o controle. Não apenas do aparelho que agora se estilhaçava no chão, mas de mim mesmo. Quem era aquela pessoa em que eu havia me transformado? O fundador, o CEO, o programador "máquina" tinha desaparecido, substituído por alguém que eu não reconhecia mais. Foi naquele momento, após uma viagem exaustiva, que admiti: estava quebrado por dentro.
Se você é empreendedor, talvez já tenha se aproximado desse precipício. Ou talvez esteja caminhando para ele agora mesmo, sem perceber. Hoje, divido uma história que raramente contamos nos podcasts de empreendedorismo ou nos livros sobre sucesso: como o burnout quase destruiu não apenas meu negócio, mas quem eu era.
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Antes da Queda: A Falsa Sensação de Invencibilidade
Era setembro de 2022. Eu havia acabado de voltar de Sorocaba, onde participei do Yellow Camp, evento semestral entre as startups aceleradas pela Eduzz. A viagem foi desgastante: uber até Campinas, espera no aeroporto, e então o voo até Florianópolis.
Vi algumas freiras na fila do embarque. "Esse voo será abençoado, não vai cair não", pensei comigo mesmo, em uma mistura de brincadeira e genuína preocupação. Tudo correu bem até os últimos 30 minutos do vôo. Um temporal muito grande castigava Florianópolis. Muito vento. A turbulência ficou intensa, sacudindo o avião de um lado para outro.
Quando tentamos pousar, o avião arremeteu. Não uma, mas duas vezes. Em uma delas, deu para sentir nitidamente o vento empurrando o avião de lado. Ficamos dando voltas no céu por 40 minutos até o vento diminuir o suficiente para conseguirmos pousar.
Depois desse susto, ainda tive que dirigir 2h30 até Alfredo Wagner, a pequena cidade de 10 mil habitantes no interior de Santa Catarina onde eu morava. Cheguei em casa quase à meia-noite, exausto. Meu corpo estava presente, mas minha mente continuava em um turbilhão.
Foi quando me deparei com um problema pequeno e corriqueiro, que normalmente nem me abalaria muito. Mas algo dentro de mim explodiu.
Vi minha mão agarrar o celular e arremessá-lo contra a parede. O som do aparelho se quebrando ecoou pela sala.
Fiquei imóvel por alguns segundos, chocado com minha própria reação. Meu coração disparou, minha respiração ficou curta. Quem era essa pessoa? Eu realmente não me reconhecia mais.
Naquele momento, com as mãos ainda tremendo, peguei o computador e comecei a procurar por psicólogos. Marquei uma sessão para a primeira data disponível. Algo estava profundamente errado, e finalmente eu havia admitido isso para mim mesmo.
O Contexto: Quando o Mercado Vira e o Dinheiro Seca
Para entender como cheguei àquele ponto, precisamos voltar dois anos antes. Em 2020, o mercado de startups estava em festa. O investimento jorrava para todos os lados, e qualquer empresa que fizesse um trabalho razoavelmente bom na internet conseguia crescer de forma exponencial.
Nós, na Orbit, surfamos essa onda sem nem mesmo planejar. Nosso posicionamento dentro do ecossistema da Eduzz chamou atenção, e acabamos recebendo um investimento de 1 milhão de reais. Era o sonho se realizando, o unicórnio ao alcance das mãos — ou pelo menos assim parecia.
Mas em 2022, o cenário era completamente diferente. Três meses antes daquele incidente com o celular, recebemos a notícia que mudaria tudo: a próxima rodada de investimentos que esperávamos não aconteceria.
Sentado na minha mesa, olhando para a planilha financeira no monitor, o peso daquela realidade caiu sobre meus ombros. Nossa queima de caixa era de aproximadamente R$50 mil por mês. Tínhamos R$100 mil na conta. Os números eram implacáveis: ou crescíamos o faturamento drasticamente para nos tornarmos lucrativos, ou cortávamos custos. Não havia terceira via.
O nó em meu estômago apertou. A sensação de fracasso se entrelaçava com o medo do que viria a seguir. As palmas das minhas mãos suavam enquanto eu refazia os cálculos, esperando magicamente encontrar uma solução que não estava ali.
A Decisão Inevitável: Quando Dizer Não Para Sobreviver
O que tornava tudo ainda mais doloroso era que estávamos correndo contra o tempo para finalizar a nova versão do Orbit Pages. Tínhamos investido quase todo o dinheiro nessa nova versão, que, na época, acreditávamos ser essencial para o futuro da empresa.
"Estamos construindo tecnologia de foguete sem termos dominado o mercado", refleti amargamente. Uma decisão burra, como percebi tarde demais. Enquanto o mercado prosperava, tínhamos nos concentrado obsessivamente no produto, na tecnologia, deixando o marketing e as vendas praticamente no automático.
Lembro-me vividamente da conversa com Serge, meu sócio. A chamada de vídeo foi direta e dolorosa. Ali, sozinho no meu escritório, encarando a tela, discutimos o que já sabíamos em nossos corações.
Chegamos juntos à mesma conclusão inevitável: precisávamos abortar a construção da v2 e desligar todo o time de tecnologia. Nenhum de nós queria aquilo, mas era o que precisava ser feito. E se quiséssemos fazer isso com um mínimo de dignidade, a hora era aquela.
O nó na minha garganta apertou enquanto discutíamos os detalhes. Éramos uma equipe de 16 pessoas naquele momento. Pessoas que confiaram em nós, que embarcaram em nossa visão. A expressão no rosto de Serge refletia o que eu sentia. Uma mistura de tristeza, frustração e a certeza absoluta de que estávamos sem alternativas.
Na segunda-feira seguinte, um a um, chamei cada uma das cinco pessoas da equipe de tecnologia para comunicar a decisão. Garantimos um mês de salário para todos, sem que precisassem trabalhar, para que pudessem focar em se recolocar no mercado. Meu peito doía cada vez que terminava uma dessas conversas.
Graças a Deus, todos conseguiram se recolocar rapidamente, alguns até em posições melhores. Eram excelentes profissionais, e a culpa daquela situação não era deles. Era minha.
A Pressão do Fundador: O Peso Invisível
Há algo que raramente falamos abertamente no palco das startups: a pressão psicológica absurda que os fundadores enfrentam. Especialmente aqueles que, como eu, assumem o papel de CEO sem estarem totalmente preparados.
Eu tinha abraçado um mundo de responsabilidades que não estava pronto para lidar. Mescla de orgulho com senso exagerado de responsabilidade, fechei-me em mim mesmo, acreditando que, como fundador, deveria resolver tudo sozinho.
"Foi uma cagada homérica", pensei repetidamente nos meses que se seguiram.
Após os cortes, era como se a tampa da panela de pressão tivesse sido tirada. O caixa estava mais saudável, estávamos crescendo de forma consistente mês após mês. Mas eu? Eu estava no fundo do poço.
Não tinha vontade de fazer nada. Não queria sair da cama. Cada reunião no calendário me causava uma ansiedade sufocante, e secretamente torcia para que fossem canceladas. Meu corpo estava pesado, como se carregasse toneladas nas costas o tempo todo.
O Diagnóstico: Quando o Corpo Finalmente Grita
Na primeira sessão de terapia (obrigado, Patrícia!), após relatar tudo o que estava sentindo, a psicóloga não hesitou: "Ronaldo, por tudo que você me descreveu, você está com um quadro avançado de burnout, já em um estágio bastante significativo. Precisamos tratar isso agora."
As palavras caíram como um veredito que, de alguma forma, já conhecia. Burnout. A palavra que eu tinha lido em artigos, ouvido em podcasts, mas sempre achado que era algo que acontecia com "os outros". Não comigo. Eu era forte, resistente, uma "máquina" de programar.
O tratamento começou imediatamente. Terapia semanal e uma rotina de trabalho mais leve. Serge, mostrando-se um parceiro incrível, abraçou várias das minhas funções para que eu pudesse trabalhar menos sem que a empresa fosse prejudicada.
Foi um caminho árduo. Nos meses seguintes, a sensação de improdutividade me corroía. Eu, que antes trabalhava 12, 14, às vezes 16 horas por dia, agora ficava exausto após uma ou duas horas de trabalho focado. Meu cérebro simplesmente desligava, como um computador superaquecido que entra em modo de segurança.
A sensação era de estar preso em areia movediça. Quanto mais eu tentava me esforçar para "voltar ao normal", mais afundava.
A Lenta Reconstrução: O Caminho de Volta a Mim Mesmo
Só fui me sentir "normal" novamente no início de 2024, quase um ano e meio depois. Foi quando decidi voltar a empreender e comecei esta newsletter que você está lendo agora.
O burnout é traiçoeiro. Ele não apenas te derruba, ele diminui permanentemente sua resistência. Mesmo hoje, depois de me recuperar, percebo que algumas semanas mais intensas de trabalho já me fazem sentir aqueles sintomas voltando. A falta de ânimo, a indisposição até para fazer coisas que amo.
A diferença é que agora consigo reconhecer os sinais muito mais cedo. A terapia me equipou com ferramentas para identificar quando estou caminhando para a beira do precipício novamente. E mais importante: aprendi a parar antes de chegar lá.
Ironicamente, ter chegado a esse fundo do poço trouxe experiências que mudaram completamente minha história. Foi durante esse período de burnout que recebemos a proposta para vender a empresa. Certamente o "saco cheio" foi um dos fatores que me deu o gás necessário para passar por todo o processo de diligências e negociação de forma muito intensa e conseguir uma boa saída. Como se meu subconsciente soubesse que aquela era minha rota de fuga.
Foi também no meio desse turbilhão que comecei a olhar para as outras áreas da minha vida e perceber que estava vivendo no automático há muito tempo. Saí de um relacionamento que não ia para lugar nenhum. Me reconectei e aprofundei muito a minha fé, me reaproximando da Igreja Católica e tendo em Deus o maior aliado para sair daquela situação.
Como consequência da venda da Orbit, mudei de estado, tive outras experiências de vida e profissionais em uma cidade grande. E o mais importante: essa mudança de estado me fez conhecer a Poli, hoje minha esposa e que digo com toda certeza e orgulho, o grande amor da minha vida.
O burnout não foi o fim da minha história. Ele foi como um motor montado com o carro em movimento, me levando a um novo começo. Um começo que, paradoxalmente, só foi possível porque algo em mim precisou quebrar completamente antes de ser reconstruído.
As Lições que o Burnout me Ensinou
Se você chegou até aqui, talvez esteja se perguntando qual o propósito de compartilhar essa história tão pessoal e, em muitos aspectos, dolorosa. Não tenho um grande ensinamento embrulhado em papel de presente para entregar, apenas a experiência crua de alguém que caiu e está aprendendo a se levantar.
Mas se tivesse que extrair algumas lições, seriam estas:
O mito do fundador super-herói é um veneno: A cultura de startups glorifica o empreendedor que "dá o sangue" e trabalha 80 horas por semana. Mas isso não é sustentável. Não é saudável. 80/20 é um princípio importante de ser seguido.
Vulnerabilidade não é fraqueza: Demorei muito para pedir ajuda, tanto profissional quanto ao meu sócio. O orgulho tem um preço altíssimo.
Os sinais estão lá, muito antes da queda: Irritabilidade, problemas para dormir, falta de motivação, dificuldade de concentração. Meu corpo estava gritando por meses antes do colapso final.
Recuperação não é uma linha reta: Houve dias bons e dias terríveis. Momentos em que achei que estava curado, seguidos por recaídas que me fizeram duvidar se algum dia voltaria a ser quem era.
O burnout transforma permanentemente sua relação com o trabalho: Não no sentido negativo, necessariamente. Hoje, tenho limites muito mais claros. Valorizo mais meu tempo livre, minha saúde mental. É como se tivesse ganhado um novo tipo de sabedoria. Uma que preferia ter adquirido de outra forma, mas que carrego com gratidão.
A Realidade Que Ninguém Quer Discutir
O empreendedorismo tem seus glamourosos casos de sucesso — IPOs bilionários, aquisições impressionantes, crescimento exponencial. São histórias inspiradoras e que nos movem adiante.
Mas existe um lado sombrio que raramente aparece nos palcos de eventos ou nas manchetes: o custo humano. O preço que pagamos quando colocamos o negócio acima de tudo, inclusive de nós mesmos.
Nas redes sociais, vemos fundadores exibindo métricas de crescimento, rodadas de investimento, equipes sorridentes. Raramente vemos o fundador que, como eu, joga as coisas na parede porque simplesmente não aguenta mais. Ou que chora sozinho no escritório depois que todos foram embora. Ou que tem ataques de pânico antes de reuniões importantes.
Essa é a realidade que precisamos saber que existe. Não para desencorajar ninguém de empreender, mas para criar um ecossistema mais honesto, mais humano e, mais saudável.
Empreender é difícil. Construir um SaaS sustentável é ainda mais desafiador. Mas nada disso justifica sacrificar sua saúde mental no altar do "sucesso" — até porque, como descobri, não existe sucesso verdadeiro quando você está quebrado por dentro.
O burnout não me tirou apenas meses de produtividade. Ele tentou me tirar algumas das coisas mais valiosas que tenho: minha energia, meu tempo, minha criatividade, minha força de vontade. Colocou uma nuvem densa na frente do meu propósito e me distanciou de mim mesmo.
A boa notícia é que, do outro lado dessa experiência, há uma oportunidade de reconstrução. De criar um relacionamento mais saudável com o trabalho, com o sucesso, com o fracasso, e principalmente, consigo mesmo.
Talvez você esteja lendo isso e pensando "isso nunca vai acontecer comigo". Eu pensava o mesmo. Ou talvez já esteja sentindo os primeiros sinais, como eu ignorei por tanto tempo.
De qualquer forma, minha esperança é que esta história sirva como um lembrete: seu negócio, por mais importante que seja, é apenas uma parte da sua vida. Não deixe que se torne a única.
Porque no final, o maior produto que você vai construir é a sua vida. E uma vida quebrada não pode sustentar nem mesmo o negócio mais promissor.
Seu burnout não é um sinal de fraqueza. Ele é só a consequência e o preço de tentar ser mais forte do que qualquer ser humano foi projetado para ser.
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"Semanário" de bordo
Essa foi uma daquelas semanas em que senti os sintomas do burnout voltando e precisei tirar um tempo. Aproveitei o feriado pra descansar e joguei até não querer mais (e sem sentir culpa, mais um ensinamento que o burnout me trouxe).
Avancei pouco nos projetos. Quando me sinto nesse estado pré-burnout, me dou o luxo de fazer mais as coisas que gosto para me sentir produtivo, então trabalhei em pequenas melhorias nos MPVs que estou rodando agora.
Indicação da Semana
🎮 Jogo: Kingdom Come: Deliverance 2 [link aqui]
Já indiquei o KCD1 por aqui no ano passado, e o 2 é ainda melhor! Ele segue a mesma linha do primeiro jogo, mas com um mapa ainda maior, mais atividades para explorar e gráficos realmente impressionantes. A forma como retrata o contexto histórico medieval é um dos pontos altos - você realmente se sente transportado para aquela época. Se você gostou do primeiro jogo, vai se apaixonar pelo nível de detalhes e imersão que a sequência oferece.
Obrigado por ler até aqui!
Espero que esse conteúdo tenha gerado valor pra você (e que seu celular esteja a uma distância segura da parede) :)
Nos vemos na próxima edição da “Jornada SaaS”!
Abraço,
Ronaldo Scotti
Parabéns Scotti pela coragem de compartilhar esse momento ao mesmo tempo delicado e rico.
Mesmo eu, que acompanhei de perto esta fase (obrigado pelas cotações), até ler o seu relato não tinha a real dimensão do que se passava aí dentro.
Hoje, olhando pelo retrovisor, vejo que você (nós) cresceu muito e deu um upgrade incrível em tudo na vida.
É como diz um amigo meu, "no fundo do meu poço tem uma mola".
Avante, meu amigo!
Felicidades e muito sucesso (sem bunrnout ;)
Posts como esse, deixam claro que nem tudo é trabalho, vida pessoal importa sim!
Parabéns pelo conteúdo